sábado, 19 de abril de 2014

Consórcios Públicos – O Poder de diálogo das prefeituras junto aos governos estadual e federal
 
 
 
 

Resumo: A formação de consórcios entre entes públicos (municípios, estados e União) para gestão de atividades específicas e consecução de objetivos de interesse comum constitui-se em alternativa válida e importante para melhorar a eficiência da prestação de serviços públicos. Agora, com nova legislação, será permitido que os estados, os municípios e a União, associados, empreendam obras nas áreas de planejamento, saneamento básico, infra-estrutura, saúde e educação. Tudo que possa beneficiar mais de um município, mais de um ente federativo, poderá ser realizado por meio de consórcio público.

Palavras-chave: consórcios públicos, intermunicipal, desenvolvimento regional, desigualdades regionais, interesse comum, qualidade de serviços públicos.
 
1 - Introdução
A Constituição Federal de 1988 agregou complexidade ao desenho federativo brasileiro, reconhecendo o município como ente federado. Esse processo foi acompanhado por intensa descentralização de políticas públicas, pelo fortalecimento do poder local e por mecanismos pouco coordenados de relação vertical e horizontal entre os entes federativos. Ao mesmo tempo, a ausência de políticas de desenvolvimento regional acentuou as desigualdades locais e regionais observadas historicamente no país.
Diferentes experiências de consorciamento foram levadas a cabo por municípios no país e ainda hoje esse é um instrumento de larga utilização.
O governo federal começou a discutir a lei dos consórcios em agosto de 2003 com o objetivo de regulamentar o artigo 241 da Constituição e dar mais segurança jurídica e administrativa às parcerias entre os entes consorciados. O grupo de trabalho foi coordenado pela Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais/PR e representantes dos ministérios da Casa Civil, Integração Nacional, Cidades, Saúde e da Fazenda.
O projeto foi discutido também com governadores, prefeitos e gestores de consórcios em operação e entidades representativas das prefeituras do País. Foram incorporadas contribuições dos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional e de experiências utilizadas em outros países. Durante a discussão no Congresso, o governo aceitou unir sua proposta ao Projeto de Lei 1071, de 1999 , do deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), que já estava no Senado. Essa composição foi um avanço político e acelerou a apreciação da matéria, sendo possível afirmar que o texto final representou um grande consenso.
O projeto de lei de regulamentação foi encaminhado ao Congresso Nacional em 30 de junho de 2004 e aprovado em março de 2005. Em 06 de abril, a lei foi sancionada pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
Tal ambiente normativo favorável procura afastar algumas das dificuldades que a legislação federal impõe no estabelecimento de obrigações entre entes da Federação, uma vez que, no sistema federal brasileiro, cabe à União fixar as normas gerais de todos os contratos celebrados por entes da Federação que integram a administração pública. A sanção da nova lei não ficou livre de polêmicas.
O grande consenso em torno do seu mérito, no entanto, faz com que seja grande a expectativa de que a regulamentação dos consórcios públicos possibilite a constituição de instrumentos de cooperação federativa, adequados a diferentes escalas territoriais e a múltiplos objetivos, assim como seja superada a insegurança jurídica dos arranjos de cooperação que os entes públicos hoje utilizam.
O efetivo uso dos consórcios públicos e da gestão associada de serviços pode ser instrumento poderoso para o enfrentamento da nova agenda federativa, em especial a agenda das cidades e do desenvolvimento regional.
 
2. Consórcios Públicos – conceito
Os consórcios públicos são parcerias formadas por dois ou mais entes da federação, para a realização de objetivos de interesse comum, em qualquer área. Os consócios podem discutir formas de promover o desenvolvimento regional, gerir o tratamento de lixo, saneamento básico da região, saúde, abastecimento e alimentação ou ainda execução de projetos urbanos. Eles têm origem nas associações dos municípios, que já eram previstas na Constituição de 1937. Porém, faltava a regulamentação da legislação dos consórcios para garantir regras claras e segurança jurídica para aqueles que já estão em funcionamento e estimular a formação de novas parcerias. É esta a inovação da lei atual. Ela busca, sobretudo, estimular a qualidade dos serviços públicos prestados à população.
 
3. Objetivos
Um dos objetivos dos consórcios públicos é viabilizar a gestão pública nos espaços metropolitanos, em que a solução de problemas comuns só pode se dar por meio de políticas e ações conjuntas. O consórcio também permite que pequenos municípios ajam em parceria e, com o ganho de escala, melhorem a capacidade técnica, gerencial e financeira. Também é possível fazer alianças em regiões de interesse comum, como bacias hidrográficas ou pólos regionais de desenvolvimento, melhorando a prestação de serviços públicos.
 
4. Possibilidades
Há amplas possibilidades de atuação conjunta de municípios através de consórcios. Desde pequenas ações pontuais a programas de longo prazo e intensa influência sobre o destino dos municípios, os consórcios podem se constituir com menor ou maior pretensão de durabilidade e impacto. Também podem assumir os mais variados objetos de trabalho, como alguns apresentados a seguir:
a) Serviços públicos: Os municípios podem oferecer serviços públicos em parceria com municípios vizinhos. Com isso, é possível amortizar os custos fixos e os investimentos sobre uma base maior de usuários, reduzindo o custo unitário da produção e distribuição dos serviços.
b) Saúde: Este é o campo mais propício para a criação de consórcios para prestação de serviços públicos. A operação conjunta da rede pública de serviços de saúde tem sido o motivo da criação de vários consórcios municipais nos últimos anos. Isso por que é um tipo de serviço que exige grandes investimentos e que naturalmente é hierarquizado em rede por demanda: um município de pequena população não terá condições (nem fará sentido que o faça) para oferecer todo o leque de serviços possíveis e necessários. Com isso, muitos municípios passam a depender de serviços oferecidos fora, cuja operação está totalmente além de seu controle; outros implantam equipamentos e serviços superdimensionados, cujo investimento necessário ou o custeio da operação são muito elevados para o potencial econômico do município (muitas vezes esta opção implica o sucateamento em médio prazo desses mesmos investimentos).
c) Obras públicas: Muitas vezes as obras públicas podem ser do interesse de mais de um município. É o caso de obras em áreas de divisa (especialmente em áreas conurbadas), canalização de cursos d’água e obras viárias que garantam o acesso a vários municípios. Pode ser interessante compartilhar recursos para diversas obras a cargo de cada município: rodízio de máquinas próprias, aquisição ou locação de máquinas para uso comum, contratação de projetos arquitetônicos padronizados ou mutirões de manutenção de estradas vicinais. Este é um item em que os consórcios intermunicipais revelam um desempenho muito bom, por conta do próprio caráter circunstancial: são ações com objetivos e etapas perfeitamente definidos, facilitando o estabelecimento de responsabilidades de cada parceiro.
d) Atividades-meio: Outra forma de tirar mais proveito dos recursos por intermédio de consórcios é a realização de atividades-meio das prefeituras. É o caso da informática, que dá espaço para o uso comum de equipamentos (em caso de aplicações que requeiram maior capacidade de processamento, o que pode ocorrer para municípios de maior porte) e para o desenvolvimento de sistemas informatizados que possam atender a mais de um município, como, por exemplo, programas para gestão das redes de educação e saúde. Também é possível estabelecer consórcios para realizar atividades de treinamento e capacitação de funcionários públicos municipais, permitindo criar programas permanentes de capacitação de pessoal de menor custo por servidor beneficiado.
e) Meio Ambiente: Muitos consórcios têm surgido a partir de projetos de recuperação ou preservação do meio ambiente, sobretudo em busca de soluções para problemas em torno do manejo de recursos hídricos de uma bacia hidrográfica, como no caso do Comitê da Bacia do Rio Meia Ponte. Esses consórcios podem ir além das questões hídricas num sentido estrito e assumir um papel de interlocutores frente aos governos estadual e federal em questões ambientais mais amplas como saneamento básico, lixo e enchentes.
f) Desenvolvimento econômico regional: Há uma grande possibilidade de atuação dos consórcios no campo da promoção do desenvolvimento regional. Podem assumir funções de incentivo a atividades econômicas (atração de investimentos, apoio à produção agrícola) e funcionar como agentes de controle e prevenção da "guerra fiscal" entre municípios. No campo do turismo as ações de consórcios têm sido pouco utilizadas, apesar da boa possibilidade de emprego desse instrumento para divulgar o potencial turístico regional e também preparar os municípios para sua exploração racional, empreender programas de capacitação e reciclagem profissional da mão-de-obra local nesse setor.
 
Os consórcios podem ser firmados entre todas as esferas de governo (municípios-municípios, municípios-estados, estados-União, municípios-estado-União). Entretanto, a União somente participará de Consórcios Públicos em que também façam parte todos os estados em cujos territórios estejam situados os Municípios consorciados. Além disso, algumas informações se fazem necessárias:
§  Consórcios não podem contratar operações de crédito. Devem receber dinheiro apenas dos entes consorciados.
§  O dinheiro pode ser captado com cobrança de tarifa pela prestação de serviços (saneamento, por exemplo); pelo uso ou outorga de uso de bens públicos administrados pelos consórcios; por rateio entre os consorciados; ou convênios com estados e a União.
§  É permitido ao consórcio fazer concessão, permissão ou autorização de obras ou serviços públicos.
§  Poderá ser excluído do consórcio público, após prévia suspensão, o ente consorciado que não consignar, em sua lei orçamentária ou em créditos adicionais, as dotações suficientes para suportar as despesas assumidas por meio de contrato de rateio.
§  A alocação de recursos nos consórcios por meio de empréstimos obtidos pelos entes da federação deve respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal e os limites de endividamento.
§  O consórcio está sujeito à fiscalização do Tribunal de Contas competente para apreciar as contas do Chefe do Poder Executivo representante legal do consórcio.
§  A Lei dos Consórcios, Nº. 11.107, de 06/04/2005, regulamenta o artigo 241 da Constituição, incluído pela Emenda Constitucional 19/98.
§ A alteração ou extinção do consórcio público precisa ser aprovada pela assembléia geral de associados. Os bens, direitos, encargos e obrigações decorrentes da gestão associada de serviços públicos custeados por tarifas ou outra espécie de preço público serão de responsabilidade dos entes federados que forem os titulares dos respectivos serviços.
§  Os consórcios podem ser entidades de direito público ou privado. Se forem de direito público, integram a administração indireta de todos os entes consorciados. Se forem de direito privado, deverá seguir as normas do direito público para licitação, celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal, que será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
 
6. Resultados
Do ponto de vista da ação dos governos municipais envolvidos, a criação de consórcios públicos pode produzir resultados positivos de cinco tipos:
a) Aumento da capacidade de realização: os governos municipais podem ampliar o atendimento aos cidadãos e o alcance das políticas públicas por conta da disponibilidade maior de recursos e do apoio dos demais municípios.
b) Maior eficiência do uso dos recursos públicos: é o caso dos consórcios cuja função central é o compartilhamento de recursos escassos, de máquinas de terraplanagem a unidades de saúde ou unidades de disposição final de resíduos sólidos. O volume de recursos aplicados como investimento no consórcio e o custeio de sua utilização são menores do que a soma dos recursos que seriam necessários a cada um dos municípios para produzir os mesmos resultados.
c) Realização de ações inacessíveis a uma única prefeitura: a articulação de esforços em um consórcio pode criar condições para que seja possível atingir resultados que não seriam possíveis a nenhuma prefeitura isoladamente, ou mesmo à soma dos esforços individuais de cada uma delas. É o caso da aquisição de equipamentos de alto custo, o desenho de políticas públicas de âmbito regional (como no caso das políticas de desenvolvimento econômico local).
d) Aumento do poder de diálogo, pressão e negociação dos municípios: a articulação de um consórcio pode criar melhores condições de negociação dos municípios junto aos governos estadual e federal, ou junto a entidades da sociedade, empresas ou agências estatais. Com isso, vê-se fortalecida a autonomia municipal.
e) Aumento    da transparência  das  decisões públicas: como as decisões tomadas pelos consórcios são de âmbito regional e  envolvem  vários atores,  naturalmente  elas se  tornam mais visíveis, pois exigem um processo de discussão mais aprofundado em cada município e em termos regionais. Com isso, abre-se espaço para uma maior  fiscalização da  sociedade sobre a ação dos governos.
 
7. Participação do Estado
O governo estadual prestará, quando solicitado, apoio consistente em cooperação técnico-profissional com vistas a orientar a organização de Consórcios, sua implantação e a análise de condições adequadas para a avaliação de investimentos em funções, áreas e setores a serem determinados, em conjunto com as municipalidades. O Estado poderá celebrar convênios de Consórcios Públicos a serem instituídos legalmente, visando participar de esforço conjunto de interesse comum, ou para cumprir execução descentralizada de função, serviço, obra ou evento de sua competência. Deverão ser observadas as disposições regulamentares a serem baixadas posteriormente pelo Poder Executivo, mediante legislação competente, em consonância com as diretrizes estabelecidas pela Lei Federal nº. 11.107, de abril de 2005, que rege os Consórcios Públicos.




. Considerações Finais

 No processo recente de fortalecimento dos governos locais no Brasil, identifica-se também a emergência de diferentes formas de cooperação intergovernamental que parecem resultar da confluência entre fatores institucionais e a vontade política dos governos locais. Quer originárias de estímulos vindo do centro, quer emanadas de uma decisão política local, tanto a cooperação vertical como a cooperação horizontal supõem a existência de políticas “autônomas” nos diversos níveis de governo. É esta autonomia que permite que uma efetiva colaboração ocorra e não a simples subordinação dos municípios a programas federais ou a subordinação dos pequenos municípios a municípios de maior porte.

A perspectiva de cooperação também está presente internamente a um mesmo governo, na forma da articulação intersetorial e da ação integrada, sinalizando a emergência de um novo enfoque na promoção de políticas públicas. A articulação entre esferas de governo e entre diferentes órgãos e setores de um mesmo nível de governo deve ser vista como parte de um movimento mais abrangente de ampliação do leque de atores envolvidos na gestão pública, o qual inclui também a participação da sociedade civil. Trata-se de uma das dimensões da nova governança local, centrada na mobilização de interesses e recursos de diversos participantes, governamentais e não-governamentais, em torno de metas coletivas.
Dentre os alcances do processo em curso deve-se observar a importância que assume a vontade política dos governantes num quadro de crise do modelo de desenvolvimento em nível regional. Os novos arranjos institucionais assumidos pelo poder público, o incentivo proveniente da esfera federal e estadual, a ruptura do círculo vicioso da descontinuidade administrativa e os avanços na legislação em torno da gestão compartilhada, dão ênfase aos Consórcios Públicos.    
Os exemplos dos Consórcios representam o melhor exemplo das lentas, porém importantes, mudanças em curso no nível das gestões regional e local. As razões para a sua constituição são de diversas ordens. Uma primeira corresponde ao desafio com que se deparam os governos locais, diante das necessidades de municipalização das políticas públicas, dadas as suas carências de capacidade instalada, de recursos financeiros e humanos. Um segundo fator a impulsionar os consórcios consiste na possibilidade que este mecanismo oferece de resolução de problemas e de implementação de ações de interesse comum, garantindo respostas eficientes a problemas de capacitação de recursos humanos, ao planejamento de ações em âmbito regional, articulando esforços e formas de pressão junto aos órgãos de governo em nível estadual e federal.
Acreditamos serem os consórcios públicos uma boa solução para os 5.560 municípios do Brasil, incluindo-se aqui os 417 municípios baianos, e um bom exemplo para a construção do tão falado pacto federativo.












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